Como escolhi meu guru

No dia 05 de janeiro comemora-se a data de nascimento do meu mestre amado: Paramahansa Yogananda.

Para homenageá-lo, me veio a ideia deste texto.

Como yoginī sei que é difícil entendermos no início, a importância de um guru e de saber as diferenças entre mestres, ācāryas, sādhus, gurus, swamis … dedicado então à vocês que ainda ficam confusos com esses termos, e com a intenção de falar um pouco sobre meu amado guruji, apresento esta história real sobre minha ligação com este mestre que é também conhecido como o premāvatar – o avatar do amor.

A BUSCA

 

Eu fui uma criança muito curiosa, e me lembro de perguntar `a minha mãe, muitas vezes: “quem é Deus?”, “como é a morte?”, “para onde vamos quando morremos?”, “existe mesmo céu e inferno e quando formos pra um deles ficaremos por lá pela eternidade? Mas por que?” “Cadê Deus? Quero falar com ele!”…

Minha mãe era católica e não sabia responder nenhuma das minhas perguntas, ou me respondia algo superficial que não cessava a minha curiosidade. Um dia, eu disse à minha mãe: “eu já sei pelo menos uma coisa! Quando morremos, depois nascemos de novo.” Me lembro que ela não quis tirar meu entusiasmo de criança, mas senti no seu olhar, que ela não pensava da mesma forma que eu.

O YOGA

Desde que nasci, ouvi a palavra YOGA. Diz a tradição que quando você está no caminho do Yoga e morre seguindo este caminho, na sua próxima vida continuará de onde parou. Mas primeiro é preciso relembrar que o Yoga existe. Alguns yogins nascem conscientes, como foi o caso do meu mestre, Paramahansa Yogananda. Eu precisei ouvir a palavra dentro da minha casa, para poder me lembrar . E devido ao meu prārabdha (meu destino), uma das irmãs da minha avó materna, chamada Dora, já era uma professora de Yoga desde quando eu nasci. Por isso, eu sempre ouvia a minha avó, que não entendia muito sobre Yoga, dizendo: “a minha irmã Dora gosta de Yoga e é uma ótima professora! Yoga é um alongamento muito bom, diferente e que também fala sobre assuntos espirituais.” Me lembro que um sobrinho desta minha avó – e meu primo de segundo grau -por influência da minha tia Dora, também se interessou por Yoga e se tornou professor muito novo.

Os meus familiares yogis viviam um pouco distantes de mim, mas me lembro de aos treze anos ter me encontrado com este meu primo em uma festa de família e a primeira pergunta que fiz a ele foi: “O que é Yoga exatamente?” Ele era muito novo ainda e não soube me dar uma resposta muito completa – com a minha idade, eu provavelmente não entenderia uma definição mais profunda – mas ele me disse que era algo incrível e que falava sobre autoconhecimento. Fiquei muito feliz, mas guardei essa conversa no coração por alguns anos.

MEUS ESTUDOS ESPIRITUAIS

Quando eu tinha 14 anos, um dia, minha mãe chegou em casa e me disse: “Conheci uma senhora que acredita na mesma coisa que você acredita, sobre ter várias vidas! E inclusive, existe um grupo de pessoas que pensam desta forma, e eles se encontram semanalmente em um local aqui da cidade. Se quiser, você pode ir com ela para conhecer!”

Imagine minha alegria! E, lógico, eu fui. O local era um centro espírita kardecista, onde fui  eu e uma senhora de aproximadamente 60 anos, que se tornou minha amiga de conversas sobre a reencarnação e outros assuntos espíritas.

Por muitos anos estudei os ensinamentos espíritas de Alan Kardec. Eles me confortavam mas não respondiam algumas das minhas perguntas, aquelas que eu carregava comigo desde a infância.

Até que, por volta dos 20 anos, cursando faculdade de Direito na época, em um dia comum, andando na minha cidade e pensando sobre o que eu estava achando daquele curso, eu ouvi claramente uma voz interna me dizer: ‘YOGA! Busque por Yoga!’ E a partir deste dia, a minha busca por entender o Yoga começou. Eu finalizei o curso de Direito, mas nunca exerci a profissão de advogada. Considero que ter esse estudo me auxiliou muito na escrita, mas as aulas que eu mais gostava eram as de filosofia.

De volta ao meu pensamento sobre buscar por Yoga, a primeira ideia que me veio foi: ‘”preciso de um professor para me guiar. E eu também quero aprender a teoria!” E assim, procurei por escolas de Yoga na minha cidade. Naquela época não existia essa grande quantidade de professores de Yoga, escolas presenciais e online… nem mesmo redes sociais e whatsapp, que facilitam tanto nossa vida. Era tudo presencial, poucos professores e tudo ainda meio misterioso nesta área.

Me lembro de encontrar três escolas de Yoga: liguei nas três e sempre com a mesma pergunta: “vocês dão aulas de Yoga? Posso fazer uma aula? E vocês dão aulas teóricas também? Quero estudar!” E diante dessas perguntas, duas escolas me responderam positivamente, e acabei optando por uma delas onde pude começar meus estudos.

Por alguns anos pratiquei e estudei regularmente, com muito interesse. Até que um dia, a minha mãe me deu a feliz notícia de que teria um curso muito próximo da casa dela, onde fiz a minha primeira formação em Yoga, que foi um marco na minha vida. Tive a sorte de fazer um bom curso, com uma professora atenciosa e estudiosa. Ela era discípula de B.K.S. Iyengar, e o visitava regularmente na Índia.
Nesta época, a minha vontade de ir para a Índia só crescia.


No final do meu curso de formação a minha mãe descobriu um câncer maligno, e ela viveu exatamente quatro meses. Ela me viu iniciar o curso, mas não participou da minha formatura. Eu tive forças para terminar os estudos, mas me lembro que a morte dela me modificou intensamente, internamente. Vários questionamentos yoguicos surgiram em minha mente e um deles foi: “de que adianta se dedicar à vida material, viver em função de trabalho e buscando conforto, se de repente o senhor Yama – a morte – vem e nos tira daqui?”

Este episódio da minha vida foi realmente muito chocante e me chacoalhou com muita força, me fez cair, mas eu me reergui, dei novamente a mão para o Yoga e segui em frente. Nesta época eu já tinha a minha amada filha e continuei os meus estudos em Yoga.

Durante todo esse tempo, eu buscava por um guru. Sem entender exatamente as diferenças entre os termos que citei no início do texto, eu só sentia que ter um guru era algo importante, e que eu queria muito poder ter um guia em que eu pudesse seguir de olhos fechados.

Querendo encontrar um guru, fui para a Índia.
Ao chegar na Índia pela primeira vez, eu achava que todos os indianos entendiam de Yoga, um grande engano! E que todos que estavam na Índia, tinham ido em busca de Yoga. Outro engano! A Índia é enorme e cheia de variedades. Muitas culturas misturadas `a cultura védica. Mas, cito aqui os termos e explicações sobre o que se vê por lá:

Por todo lado – e o que mais se vê – são os sādhus. Eles não são necessariamente yogins, aliás a grande maioria não é. A palavra sādhu significa “homem bom”, mas nem todos realmente são verdeiros. São renunciantes, que vivem em algumas cidades da Índia e são sustentados pela sociedade hindu. O objetivo deles é serem bons somente. Eles se vestem geralmente de branco e a roupa mais típica é o dhoti, um tecido que é amarrado na cintura como uma saia ou parecido com uma saruel. Alguns praticam Haṭha Yoga, mas muitos vivem como pedintes, fumando seus cachimbos e dizendo que estão seguindo Shiva. (mas Shiva é um símbolo de Deus, e a tradição védica não aprova o fumo ou uso de qualquer outra substância entorpecente). São chamados de “babas”. Alguns deles usam roupas laranjas, o que causa confusão principalmente nos ocidentais, pois laranja também é a cor da roupa dos Swamis, que são monges e vivem nos ashrams.

Andando pelas ruas da Índia e dentro dos ashrams, vemos também os renunciantes vestidos de laranja. Na sua maioria são os swamis, ou seja, monges. Os swamis são estudantes dos vedas que passam por um ritual de renúncia, vivem uma vida de Yoga e estudo das escrituras com muita disciplina em busca do autoconhecimento. Eles não são necessariamente autorrealizados, ou como se diz, “iluminados”. Alguns são, mas a maioria está na busca por mokṣa. Eles podem pertencer à diversas linhagens diferentes: podem seguir o advaita vedānta de śri śankaracārya, que é a minha linhagem e a de Paramahansa Yogananda, ou por exemplo a linha do Vedānta dualista de Prabhupada, do movimento Hare Kṛṣṇa. Muitos deles são professores de Vedānta, e portanto chamados de ācāryas. Mas, podemos encontrar ācāryas que não são swamis.

Vemos ainda os haṭha yogis, aqueles que não fizeram o voto de renúncia como os swamis, mas vivem uma vida dedicada ao Yoga. Alguns deles estudam as escrituras, fazem rituais e vivem uma vida de castidade se estão solteiros ou se forem casados, têm relação sexual apenas para procriação. Este é o caso do Yogi Amit Ram, meu amigo indiano que vive nos Himalayas.

Os swamis, ācāryas e haṭha yogins podem ser chamados de “mestres” também.

Quando eu entendi claramente todas essas diferenças, eu comecei a busca por um guru verdadeiro. Eu lia sobre a vida e realizações dos gurus – alguns vivos e outros que já deixaram seus corpos. Pesquisei muito, cada um dos que me chamou a atenção. Estive nos ashrams deles na Índia, e pude sentir a verdade em alguns e a falsidade em outros. Cheguei a pensar que eu não encontraria um guru, porque eu pensava na frase popular de que “quando o devoto está pronto, o guru aparece”. E eu tinha certeza de que eu não estava pronta.

Mas, em meio a essa busca por um guru comecei a perceber os sinais que estavam à minha volta. O primeiro foi quando abri a minha primeira escola de Yoga.

Primeiro quadro do meu mestre, que ganhei de uma desconhecida

Um dia, uma senhora, vizinha da casa em que eu tinha acabado de me mudar, tocou a campainha e quando atendi, vi que ela carregava uma sacola que disse ser um presente para mim. Da sacola saíram muitos pequenos quadros, com imagens de mestres indianos. Eram quadros muito antigos e todos de um mesmo tamanho. Apenas um deles era maior, o que tinha a imagem de Paramahansa Yogananda.

Coloquei todos os pequenos quadros no altar na minha sala de aula, e o maior coube perfeitamente na entrada da escola. Eu não sabia que o mestre daquele quadro era Yogananda, mas eu já tinha ouvido e lido sobre ele. Os olhos dele eram encantadores.

E por causa deste quadro, eu resolvi pesquisar mais sobre ele. Foi aí que vi que ele era o autor do livro “Autobiografia de um Yogi” e me lembrei que eu queria ter lido este livro há alguns anos. Mas naquela época não era tão fácil encontrar os livros do mestre. Fui nas livrarias da cidade e não encontrei, mas pude fazer o download de um pdf do livro e assim iniciei a leitura. Confesso que na época não era habituada a fazer leituras pelo computador, e acabei desistindo.

Mesmo assim, o retrato dele continuou em local de destaque na minha escola, que era também minha casa. E quantas vezes eu chorei olhando para os seus olhos e pedindo proteção e respostas. E ele me deu.

Três anos depois eu sofri um acidente de moto no Nepal, bati minha cabeça e perdi a memória por um tempo. O medo da morte nos chacoalha internamente e, voltando ao Brasil, senti novamente o chamado do mestre.

Cheguei a comprar a “Autobiografia” e o “Yoga de Jesus'”, mas recebi somente o “Yoga de Jesus'” porque a

“Autobiografia” estava esgotada. Mas, pela primeira vez, eu estava com um exemplar de uma obra do Guruji nas minhas mãos. Na medida em que fui lendo este livro, eu pude sentir que as palavras escritas falavam diretamente comigo. E ao finalizar eu tinha certeza de que Paramahansa Yogananda seria o meu guru. E foi depois disso, que tive a benção de ter em mãos a Autobiografia de um Yogi.

A cada página eu pensava: “Que incrível! Que benção!”. Junto com a leitura, eu pesquisei incansávelmente sobre o mestre. Eu queria ter certeza de que ele era verdadeiro. E tudo o que eu encontrava era somente amor.

Decidi oficializar nossa relação com ele e então entrei em contato com o Ashram dele e me tornei uma aluna do Ashram. Após o cadastro, recebi as primeiras lições escritas por ele, ainda em papel datilografado. E quando eu entendi que o mestre tinha deixado um caminho a seguir, um passo a passo, com meditações e ensinamentos védicos que iríamos receber a cada duas semanas pelo correio, a busca por um guru terminou. Eu senti que tinha encontrado um caminho para o autoconhecimento, com começo, meio e fim, com coerência e sabedoria, e que tinha sido deixado como um presente para todos aqueles que buscavam por mokṣa.

Me lembro de ter pensado, um pouco antes de encontrar o Guruji, que eu não sabia mais o que estudar. Eu tinha lido todos os melhores livros de Yoga da época. Mas os livros não me mostravam um caminho a seguir por toda a vida. E saber que eu receberia essas lições deixadas pelo Guruji, foi algo que tranquilizou meu coração.

Me lembro das primeiras corresponências que recebi do ashram com as lições. A energia de amor que estava impregnada naquelas folhas era realmente forte. Através dos estudos, fiquei sabendo da iniciação em kriya Yoga, que era um ritual feito pelos swamis (monges) onde eu receberia uma técnica yogi extremamente poderosa. E depois de um ano de estudo das lições e praticando as técnicas ensinadas pelo Mestre, eu recebi a iniciação em kriya Yoga. Foi o ritual mais lindo que eu vi em toda a minha vida. E a partir deste dia, meus laços com o Mestre amado se estreitaram ainda mais.

Mas, eu ainda tinha uma curiosidade, e quis ver pessoalmente como era o ashram do mestre. Como viviam e viveram seus devotos mais próximos? Algum deles alcançou a autorrealização? E assim, li sobre os discípulos diretos do Guruji e fui à Índia em peregrinação, onde pude passar pelas cidades onde o Guruji passou, e estar nos ashrams onde ele viveu ensinou.

Eu já confiava muito no Mestre, mas foi muito bom e fez aumentar minha confiança nele. Fiquei um tempo no primeiro ashram, localizado na cidade de Ranchi e pude participar da rotina do ashram. Nada melhor do que estar vivenciando os ensinamentos do mestre na sua terra, para conhecer a vida dos swamis e devotos. Depois fui para Calcutá, Dakshineshwar e Serampore.

E como Guruji sempre dizia: “esta vida de Yoga irá te mostrar que você é divino. Não pense que eu vou resolver seus problemas. É você mesmo, com o autoconhecimento, que irá se libertar do sofrimento encontrando satisfação em si mesmo e não em mim.” Essas palavras revelam um verdadeiro guru. E tudo o que eu pude ver na Índia, nos ashrams dele, provam que ele realmente deixou para todos uma jóia rara: o conhecimento tradicional, puro e verdadeiro do Yoga e Vedānta disponíveis aos ocidentais e não somente para os indianos. Ele realmente foi um verdadeiro yogi.

E assim, continuo seguindo com ele, há vários anos. Ele foi o escolhido, e ele me escolheu. E me sinto muito abençoada por ter encontrado esse caminho. Tenho outros professores, os quais agradeço e reverencio. Mas o sādhana que sigo me foi dado por Paramahansa Yogananda. Um sādhana que é o meu refúgio, que me ajuda a levantar sempre que caio.

Poder caminhar com o coração tranquilo me faz poder apreciar, admirar mais o caminho, pois tenho a certeza de que ele vai me levar de volta a mim mesma.

Primeiro livro do mestre que li nesta vida

Com este texto, desejo que você possa se dedicar à sua vida de Yoga para que ela possa ser o seu refúgio, assim como é para mim. Ter um olhar mais objetivo diante da vida, entendendo melhor sobre si mesmo e sobre o outro, é um grande ganho. E levará você a ver que o mundo é sagrado, pois Deus é o criador e a causa de toda essa criação. Você jamais está sozinho, pois Deus está sentado no seu coração agora mesmo.

Com amor, em amizade divina

Juliana Campesi

@anandavidya_

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