O que é Vedānta? Qual a relação do Yoga com o Vedānta? Essa é uma pergunta comum diante da ideia que os iniciantes possuem sobre o que é Yoga.
Mas, entendendo o que é Yoga e entendendo o que é Vedānta, o aluno terá a clareza de que Yoga e Vedānta caminham juntos.
Quando vamos definir Yoga, não podemos dizer que Yoga é uma única coisa mas também não podemos dizer que Yoga é tudo o que existe. Então, vamos partir de três definições básicas: união, sādhana e estilo de vida.
Yoga é união. Mas não uma união física, pois veremos que não existe nada separado e que precisa ser unido. A união de que se trata o Yoga é a união da nossa consciência individual com a consciência cósmica.
Mas, segundo Advaita Vedānta e os grandes sábios indianos que compartilham deste conhecimento vedico, a nossa consciência individual é a consciência cósmica. Nada está separado. Ekam Sat. Só existe UM.
O que acontece é um erro, uma falha no entendimento. Nos identificamos com o corpo físico e com esta realidade relativa, mithyā, e assim, nos vemos como seres separados deste TODO.
A união da qual se refere o Yoga é então a visão correta de quem somos, o autoconhecimento, o reconhecimento de que somos um ser livre de limitação.
Para que possamos alcançar este objetivo, esta união ou o autoconhecimento, precisamos ter uma mente que chamamos de antahkarana shuddhi, uma mente capacitada para o autoconhecimento. Para isso, precisamos utilizar algumas ferramentas . Essas ferramentas são as práticas e técnicas de Yoga e dentre elas, a meditação como sendo a mais importante . Outras práticas importantes são os prāṇāyāmas, o canto de mantras, dentre outras. E podemos dizer que o estudo dos textos de Vedanta, também é Yoga (Jñāna Yoga).
Tanto as técnicas quanto o estudo são partes do sādhana da yogini e do Yogi.
Sādhana é então, o instrumento para que possamos alcançar a união, referida aqui no texto como sendo a primeira definição de Yoga. E esse instrumento é também Yoga.
E por fim, temos o estilo de vida. Yoga é acima de tudo um caminho, um estilo de vida, onde o objetivo é essa união, o autoconhecimento. Este estilo de vida envolve um comprometimento da yogini/yogi, com relação ao sādhana, além de uma atitude de voltar a atenção para si mesmo.
Enquanto a maioria das pessoas está com seus sentidos soltos e voltados para fora, nós, yogis, fazemos o caminho contrário, nos voltando para dentro, mantendo a atenção em nós mesmos para nos entendermos melhor. Começamos a perceber as nossas escolhas, nossos aprisionamentos, nossas reações, nossos ragas e dveṣas (gostos e aversões) e nossas emoções. Passamos a entender o nosso papel nesta vida e a nossa responsabilidade nas situações. Paramos de culpar o outro por aquilo que sentimos e começamos a entender que somos partes da Ordem Maior, a Ordem de īśvara, que possui suas leis. Portanto, não estamos no controle de tudo.
Aos poucos vamos entendendo que o que recebemos é sempre resultado da lei do Karma, ou a lei da ação e reação, e portanto não somos os responsáveis pelos frutos da ação. Karmaphalam, os frutos da ação, ou seja, tudo aquilo que recebemos, seja bom ou ruim, são regidos pelas leis desta Ordem de īśvara, e portanto sagrados.
Quando recebo algo que eu esperava, eu aprecio, agradeço e reconheço como sendo sagrado. Quanto recebo algo que eu não queria, eu fico triste, mas agradeço e reconheço como sendo sagrado também e parte do meu crescimento.
E tendo como o valor dos valores possuir uma mente tranquila para estudar os ensinamentos dos grandes Mestres e meditar, o yogi segue em sua vida de Yoga, sem perder o objetivo: mokṣa, o autoconhecimento.
Temos então três definições de Yoga. Como diz o Mestre Yogananda, Yoga mostra o caminho, o estilo de uma vida de Yoga, e Vedānta explica o objetivo de se viver essa vida.
Agora, o Vedānta.
Vedānta significa literalmente o fim dos Vedas (anta = fim) ou seja a parte final dos Vedas, onde se encontram textos chamados Upaniṣads.
Quando uma pessoa começa praticar Yoga, mesmo sem saber, ela se conecta com uma tradição que é muito grandiosa: a tradição dos Vedas. Uma tradição de conhecimento e de questionamento.
Em algum momento o ser humano começa a perceber que nem a segurança, nem os momentos de prazer e nem desempenhar bem os seus papéis podem trazer a felicidade plena. Que a cada desejo realizado, outro desejo surge. Que os momentos de felicidade vem e vão. Ás vezes está tudo muito bem, mas outras vezes tudo parece estar errado. Muitas vezes me sinto bem comigo mesmo, mas em tantas outras eu gostaria de ser diferente. E gostaria que as pessoas fossem diferentes também.
E quando tudo está bem, não é para sempre. Tudo se transforma o tempo todo. Eu mesmo vejo que meu corpo muda, vai envelhecendo e um dia vai morrer. E eu vivo a vida tentando ser feliz, não sofrer e me realizar de alguma maneira. Mas tantas vezes sinto meu coração apertado, uma sensação de medo misturada com algo que não sei explicar. Sinto que falta algo, que eu nem sei o que é.
Quando a pessoa em algum momento se questiona: será que existe algo que seja duradouro, que não mude, que seja feliz sempre, livre da dualidade, da dor e do sofrimento? Nesse momento, de questionamento, começa o Vedanta, e com ele, uma vida de Yoga.
O objetivo deste questionamento além de entender melhor as nossas limitações é também descobrir o objetivo maior da vida – que é o autoconhecimento – de forma que possamos viver mais felizes. Descobrir um bem estar e uma felicidade que pertence a nós mesmos.
Dentro dessa tradição a importância maior está no pramāṇa, no meio de conhecimento dos Vedas, que fala sobre o indivíduo e sobre a verdade última de quem eu sou. Os Vedas possuem como foco o sofrimento humano e a solução para esse sofrimento humano. Mesmo quando se fala sobre arquitetura, astrologia, ou qualquer outra ação humana, o foco dos Vedas é sempre o mesmo, a eliminação do sofrimento.
Na visão dos Vedas a pessoa que sofre já é aquilo que deseja ser. Ela já é livre, já é feliz. Ela não precisa buscar por isso, ela precisa se reconhecer. E solução para esse sofrimento de todo ser humano é o autoconhecimento.
Isso é uma quebra de paradigma. Porque eu busco uma coisa que esta lá fora, mas os Vedas dizem que não está lá fora e nem aqui dentro. Isso é o que EU SOU.
Esse ensinamento é o coração dos Vedas.
E o Yoga possui como objetivo esse assunto que é o coração dos Vedas. Mesmo Patañjali não vem para antagonizar o que os Vedas falam. Mas sim, para acrescentar o que ele achou necessário, sobre Yoga.
Então, dentro dos Vedas, dois assuntos se apresentam, o conhecimento de quem você é e um estilo de vida que compõe muitas coisas para você preparar a mente para poder ouvir e entender esse conhecimento. Esse estilo de vida é chamado Yoga.
Um estilo de vida, onde aprendemos a lidar melhor com nossa mente, tendo mais consciência das nossas ações e um certo comando sobre a própria vida. Vivendo as situações da vida e os problemas e se incluindo no problema e na solução.
Se alguém me agride, eu sofro. Mas o meu sofrimento não é porque o outro me agrediu. As pessoas agem através de suas escolhas e seus saṃskāras. Mas, por não esperar que o outro me agredisse, eu sofro. Eu me surpreendo com a atitude da agressividade porque criei uma expectativa de que o outro me tratasse bem.
Essa vida de Yoga ensina que eu tenho que entender que meu sofrimento vem da minha expectativa e desejo de algo, que eu não alcanço. Um desejo frustado.
E toda vez a situação se apresenta de forma diferente da que eu esperava, eu sofro.
E assim, começo então a ser mais reflexivo, mais meditativo. Começo entender a relação entre o que desejo, o que recebo e o que sinto. Mas para que isso aconteça, eu preciso preparar a minha mente para ela seja uma mente alerta e focada. E isso acontece através da meditação diária e do estudo de Vedanta.
Espero que com essa explicação, tenha ficado mais clara a conexão fundamental entre Yoga e Vedanta.
E para complementar esse entendimento, transcrevo aqui um trecho de uma aula da grande Mestra de Vedanta Gloria Arieira.
“Tradicionalmente, ao longo do tempo, foram surgindo algumas darśanas, que são visões, interpretações dos Vedas.
Nessa interpretação, Advaita Vedānta seria mais uma visão. Considerando que os Vedas são uma autoridade que vem para revelar algo, ele tem que falar sobre alguma coisa que não se encontra em nenhum outro lugar. E os Vedas fazem isso, dizem que você já é o que você busca. Nenhum outro lugar diz isso. Então, a visão de Advaita Vedānta é a única visão original dos Vedas, porque as outras são visões duais de Deus e de uma libertação em termos de processo.
Considerando isso como válido e o Yoga fazendo parte dessa tradição dos Vedas, verdadeiramente não existe diferença entre os dois. Qualquer visão do Yoga é essencialmente com um foco no estilo de vida para capacitar a mente e corpo da pessoa para uma busca maior. A visão de Vedanta é uma visão básica dos Vedas e o Yoga é um estilo de vida vinculado necessariamente a esse conhecimento. Nessa visão Yoga e Vedanta são uma tradição única.”
Espero ter ajudado a eliminar um pouco desta dúvida muito comum, em relação ao Yoga e Vedānta. E que vocês possam viver essa vida de Yoga de forma plena, com mais objetividade, clareza e um coração preenchido.
Om Tat Sat.
Juliana Campesi