Om
O assunto de hoje é o segundo Yama do Ashtanga Yoga de Patanjali, que é Satya, a verdade, o ato de não mentir.
Quando iniciamos os estudos sobre Yoga, Vedanta, muitos termos e princípios são apresentados pra nós, e ditos que devem ser seguidos. Mas, inicialmente não conseguimos enxergar o valor desses princípios, a importância que eles possuem na vida, porque os valores precisam de entendimento e tempo para serem assimilados.
O entendimento é a chave para fazer com que o valor por algo se torne o valor da própria pessoa.
Valores obrigatórios impostos não podem ser assimilados e colocados na vida de uma pessoa. Somente valores pessoais assimilados permanecem. E o valor se torna pessoal quando o valor do valor é apreciado pela própria pessoa.
Depois que o valor pelo valor é apreciado, durante um tempo precisamos estar alertas e usar o poder de escolha para manter uma nova atitude ou hábito . Mas com o tempo, o valor torna-se assimilado e muito natural e passa a ser parte da vida da pessoa.
Pra entendermos melhor o valor por Satya, o ato de nao mentir. vou citar um exemplo:
Eu sou uma criança e meu pai diz: fale a verdade! Mentir é feio!
Eu não entendo porque devo falar a verdade e não a mentira, mas minha mente está se desenvolvendo, então ela aceita o que meu pai diz como sendo um mandamento, uma ordem.
O pai também não consegue me explicar o valor de falar a verdade. Mas ele não me explicou porque ele achou que uma criança não entenderia, ou o que é o mais comum, porque ele mesmo não entende o valor real de dizer a verdade.
Então falar a verdade se torna uma ordem apenas. E se torna uma algo que parece não ter muito valor no meu dia a dia.
Aí, essa criança vai pra escola e os professores confirmam o que o pai ensinou em casa sobre falar a verdade.
Então, a criança entende que tem que falar a verdade, mas não entende o porque.
Um dia essa mesma criança está com a mãe em um mercado e diz que quer um chocolate. Vê então a mãe pegando um papel e entregando ao ‘dono dos chocolates’, e então a criança consegue o chocolate.
Outro dia, ela está em uma loja e diz que quer um brinquedo. E a criança vê que só consegue o brinquedo depois que a mãe deu o pedaço de papel para o ‘dono dos brinquedos’.
É assim que o valor pelo dinheiro inicia e se torna tão forte. A criança vai crescendo e vê que o dinheiro compra diversão, os prazeres, o que ela quer comer, o que ela veste, a segurança…
Não é dificil perceber como se forma o valor pelo dinheiro. E se o valor pela verdade não foi compreendido e assimilado totalmente, o valor pelo dinheiro se torna maior do que o valor pela verdade. E ai se em algum dia você se ve em uma situação em que contar uma mentirinha fará você ganhar mais dinheiro, você acaba contando. Quando ouvimos isso, a primeira reação é se defender: ‘eu jamais faria isso!’, mas vamos pensar em um exemplo mais comum:
Você compra um objeto e ve que não vai utilizar e decide então vender a preço de custo, anunciando a venda desta forma. O produto valia 1000, mas, no momento de divulgar, você pensa que se disser que comprou por 1500, ganhara então 500 reais por causa de uma mentirinha boba. Os 500 reais a mais que você vai ganhar, você sabe muito bem o valor que tem, o que você pode comprar com esse dinheiro. Já o fato de mentir, não faz muita diferença pois você não entendeu o valor por dizer a verdade.
Uma outra forma de mentira bem comum é a mentira que muitos pais ensinam aos filhos dentro de casa. Eles dizem: não minta meu filho! É feio mentir! Mas, quando o telefone toca e ele escuta a mãe dizendo que não esta bem só porque não quer sair, mas ele sabe que sua mãe esta bem… muitas vezes ela ate diz: filho, atende e diz que não estou! O filho passa então a entender que mentir é uma forma de proteção. Se eu minto, eu posso me livrar de situações desagradáveis. E pra isso serve então a mentira.
Essa criança vai dizer a verdade só quando entender que a verdade não vai prejudica-la de alguma forma. Ela aprende a não arcar com suas atitudes, aprende a não enfrentar o mundo de cabeça erguida e aprende que mentir é algo natural.
Mas, dentro do estudo de Vedanta, aprendemos que a verdade é algo que instintivamente temos valor por ela. Na maioria das vezes sabemos o que é verdade e se falamos uma mentira, nos sentimos tensos. Isso mostra que a verdade é claramente reconhecida por mim e a mentira é algo que tenho que criar. Isso cria uma divisão na pessoa. Porque as energias fluem em direções diferentes. A pessoa sabe o que é a verdade, mas mente. Aos poucos isso se torna um hábito.
Essa divisão que acontece na pessoa, acaba se refletindo na vida dela: vai chegar um momento em que toda vez que a pessoa decide fazer alguma coisa, ela acaba fazendo algo diferente. Quando não existe essa divisão, se eu penso em fazer algo e faço algo, não existe tensão. Mas se não consigo fazer o que me propus, fico com sentimento de culpa ou de medo. Ai eu começo a me julgar. Aparece o julgamento sobre mim mesmo, como uma pessoa que não consegue fazer o que quer fazer. Swami Dayananda diz que esse é o maior dano que podemos fazer a nós mesmos: olhar pra nós mesmos com menosprezo.
Ai, eu não posso ser um verdadeiro yogi, ou um estudante de Vedanta, porque me julgo e a mentira deixa a mente agitada, e com medo de que descubram a verdade. E assim, minha mente nunca está totalmente em paz. Uma mente que não tem paz não consegue assimilar conhecimento.
Então, o que é mais valioso? O dinheiro ou a verdade? Quando assimilo isso, nunca mais conseguirei abrir mão da verdade. Se não consigo entender isso, fico com a mente cheia de conflitos.
O valor de desfrutar uma mente tranquila, de arcar com a verdade, mesmo que ela te coloque em uma situação em que você vá ter que se explicar, vale mais do que mentir para se proteger.
Alem disso, quando falamos assimilamos o valor pela verdade, a nossa palavra se torna poderosa. Passamos a materializar aquilo que falamos. O que a gente fala, acontece! Ás vezes isso acontece sem que a pessoa esteja estabelecida em satya… mas quando ela se estabelece, tem que tomar cuidado com o que diz, porque o que ela diz realmente acontece!
Outro ponto importante sobre Satya é que ela deve andar de mãos dadas com Ahimsa a não violência. Não é justo também falar uma verdade que vá machucar o outro. Temos que aprender a melhor forma de dizer as coisas para as pessoas, se colocando no lugar delas. E dessa forma, omitir algum fato que não vá prejudicar ninguém, é aceitável.
O que tem que ficar claro é que satya não vai acontecer de uma hora para a outra.
Satya é um exercício. Nao adianta dizer: a partir de agora, não vou dizer nenhuma mentirinha! Mas isso deve ser feito aos poucos. Primeiro vamos começar a entender o valor que existe em dizer a verdade e então começar deliberadamente, a colocar esse habito nas nossas vidas.
Faça esse exercício: quando você perceber que mentiu pra alguém, volte para essa pessoa e diga: aquela hora que estávamos conversando, eu disse aquilo.. mas na verdade, o que aconteceu foi diferente…
Espero que vocês consigam se estabelecer e ser abençoados pela verdade. Para que se tornem então verdadeiros yogis.
Om Tat Sat.
Juliana Campesi
* Texto inspirado em livros de Swami Dayananda e Paramahansa Yogananda.